sábado, 19 de junho de 2010

AMOR DISSONANTE

Acompanhar e comentar a cena musical do Brasil e do mundo há tempos é trabalho de muitos jornalistas e apaixonados. A internet e sua façanha de proporcionar o acesso a “todos os sons do mundo”, fez com que ainda mais hoje se consuma música de todos os paises dessa enorme aldeia global.

Sons antes pouco acessados pela sua raridade e obscuridade, hoje estão disponíveis na grande rede para o acesso de todos. Sites e blogs especializados nascem na internet diariamente para “dar conta” de tamanho volume de informações, juntando tribos inteiras espalhados no mundo.

Entre esses canais especializados da musica, vem ganhando destaque nos últimos anos o blog Amor Louco. Conduzido pelo geógrafo carioca Tadeu Beirão (um dos nossos Picaretas) e o filósofo baiano Miguel Ângelo, o blog explora diferentes sons do mundo inteiro, obscuros ainda hoje, e que pouco é acessada pela grande mídia. Com mais de mil acessos diários, o Amor Louco vem conseguindo reunir uma tribo de apaixonados no mundo inteiro por ramificações nada populares do rock e outras expressões (ou artistas) pouco ouvidas.

Os Picaretas fizeram essa bate-papo que segue com o Tadeu e Miguel onde os mesmos explicam suas motivações musicais.

Picaretas – Como surgiu a idéia de criar o blog e de onde veio o nome “Amor Louco”?

Miguel (M) – Bem, na verdade tudo começou no dia em que fui apresentado ao Tadeu e a partir do momento em que passei a ler suas críticas musicais no blog dos Picaretas. Realmente tínhamos o mesmo gosto e achava que o Tadeu tinha quer ter um espaço para ele divulgar suas críticas musicais. Então coloquei a idéia de um blog na cabeça dele (não sei até que ponto ele já a tinha em mente) e fui viajar. Quando voltei, ele me mandou um e-mail dizendo que tinha criado um blog chamado Amor Louco e, se quisesse participar, as portas estavam abertas. Fiquei receoso no momento e entrei, inicialmente, apenas como colaborador, indicando bandas e fazendo um “marketing agressivo” para divulgar o blog. Hoje colaboro postando também e atendendo a pedidos, dentro do possível, e acho que estamos numa sintonia e dinâmica bem legais.

Tadeu (T) – Nasceu dessa forma que o Miguel comentou. Eu sempre gostei muito de música, de ouvir, ler, falar e escrever. Lembro que quando comprava umas fitas VHS com alguns shows sempre escrevia algo sobre o que rolava na fita e colava na capa, tipo “crítico musical”. O Blog foi a facilidade (da internet) de fazer isso de uma forma mais “real”. Trocar idéia sobre música, esse é o objetivo, escrever e ter resposta. O nome veio dessa paixão pela música e de uma conexão com o tipo de música que estaria ali, o Fellini (banda queridíssima) tem um disco chamado “Amor Louco”, aliás foi o primeiro disco postado.

Picaretas – Como podemos classificar o estilo musical das bandas apresentadas no Amor Louco?

(T) – Não podemos classificar. Claro que você encontra um número maior de referências Shoegazer, Pós-Punk, Dreampop e afins, mas nada impede de você dar de cara com um disco do Walter Franco (MPB) e segundos depois achar algo do Ministry (Industrial, Hardcore)... procuramos deixar claro a “linha dos discos”, mas o blog é livre.

(M) – Os estilos são anunciados em cada postagem. A nossa linha é o Shoegazer, mas procuramos trabalhar e divulgar outros estilos do rock (indie, pós-punk, britpop, new wave, eletrônica, pop, etc.), não fazendo discriminação de país e nos concentrando no cenário musical mundial do final dos anos 70 para cá.

Picaretas – Muitas das postagens no blog são de bandas na linha do Shoegazer. Vocês poderiam nos contar um pouco de onde nasceu, a história, e as influências deste estilo musical?

(M) – Bem, minha geração é aquela que se nutriu com a música dos anos 80. Passei minha adolescência ouvindo e comprando os vinis de bandas como The Cure, Happy Mondays, Pixies, Smiths, Cocteau Twins, My Blood Valentine, Jesus and Mary Chain, Vizyado Moe, Pin Ups, Defalla, Maria Angélica, Black Future, entre muitos outros. Quando ouvi, em 89, o primeiro álbum do My Bood Valentine (“Isn't Anything”), fiquei encantado com esse barulho todo. Mas quem realmente já tinha me deixado perplexo foi Jesus and Mary Chain com "Psychocandy", que é de 85. Salvador naquela época tinha apenas alguns guetos para se comprar e curtir esse som. O que gosto no Shoegazer, que começou na Inglaterra nos anos 80, é a alta distorção das guitarras em meio às vozes etéreas, criando uma sensação de pleno vôo. Hoje me interessa muito esse tipo de música feito em países asiáticos.

(T) – Pois é, o Miguel é um pouco mais velho que eu, vivenciou coisas no exato momento que eu só pude conferir correndo pelos sebos aqui do Rio. Meu primeiro contato com o Shoegazer foi em uma matéria da extinta revista Bizz (em 1991 eu acho). A matéria dizia que literalmente Shoegazer significava “fitar os sapatos”, isso em função das letras tristonhas e do estilo cabisbaixo de se encarar o público, e o mundo de uma forma geral (por isso olhavam para os sapatos), a microfonia e os vocais soterrados em muralhas de guitarras seriam uma espécie de “proteção”... Sorte a nossa.

Picaretas – Como as novas mídias vêm transformando a cena musical no mundo, em especial, os estilos musicais que vocês privilegiam no blog?

(M) - A Internet tem nos ajudado muito a conseguir bandas que nem imaginávamos ouvir algum dia. Os trabalhos mais independentes ganharam a possibilidade de estarem aí para qualquer um e acho isso muito positivo. Mas, por outro lado, os problemas com as grandes gravadoras aumentaram. Vejo o blog como uma ferramenta de difusão da música, do rock que nos interessa. Se um artista pede para retirarmos o link, será atendido imediatamente, mas, caso contrário, estará lá para todos. Não visamos lucro algum, mas apenas mostrar para o mundo o que curtimos. E se o blog é um bom canal para as bandas novas, das quais gostamos, que a música seja livre. Não acredito no império da dominação musical. Daí a minha curiosidade por querer saber, em termos de Shoegazer ou de “música obscura”, o que acontece na Ásia.

(T) – Tem banda que não lança nada físico, só pela internet. O que não é necessariamente legal, afinal mesmo com esse turbilhão de coisas on-line continuamos gastando bastante dinheiro mensalmente comprando discos. Agora é claro que ficou mais fácil a divulgação, o romantismo pode ter diminuído, mas é fantástico você poder ter discos que certamente você não conseguiria por um preço minimamente justo. Ainda mais nessa área underground, mais obscura, a divulgação era raríssima e ter material de algumas bandas muito difícil.

Picaretas - Dá pra dizer que os estilos musicais ditos obscuros são mais populares hoje do que uma década atrás em função da popularização da internet? Tem se mantido a mesma qualidade musical nesse novo cenário de exposição?

(T) – Não sei...você vai num show aqui no Rio e encontra meia dúzia de pessoas. Antes tinham mais, mesmo com uma divulgação menor. Não sei exatamente se essa facilidade significa que tenha se tornado mais popular, continuo sem achar no meu dia-a-dia quem goste desse tipo de música, continuo sofrendo pra achar os discos, continuo sem ouvir rádios, pois elas não tocam esse tipo de música, as revistas acabaram. Acho que mesmo com o boom na internet (indiscutível) esses outros “lados” deviam caminhar juntos, caso fossem mais populares. Quanto a qualidade, ontem e hoje existem coisas boas e ruins, é só procurar.

(M) – Diria que a qualidade musical é outra e muita coisa boa e ruim estão surgindo. Com a Internet a popularidade aumenta com certeza, mas o interesse nas bandas é mais fútil e passageiro. A alegria e o prazer de receber um vinil ou cd em casa via correio está sendo cada vez mais uma sensação descartável. É preciso ter cuidado com a facilidade oferecida pela Internet. A divulgação pelos blogs é um meio de facilidade, não nego, mas tudo depende das complexas relações entre mídia, bandas, gravadoras e público.

Picaretas – A disponibilização sem custos dos álbuns que vocês postam na internet vem sendo a grande dor de cabeça das gravadoras que sobrevivem de vender discos e ainda não se adaptaram a essa nova realidade. A disponibilização na internet passou a ser o único caminho? Como vocês vêem o futuro dos álbuns de música?

(T) – Você tem que diferenciar essas gravadoras. Os discos que “somem” do Amor Louco são os discos de gravadoras como Warner, Sony e afins, ou seja, as grandes gravadoras, você acha que são os blogs que são os problemas pra essa gravadora? Cara, um cd nacional no Brasil é R$ 40,00, esse é o problema. Se a gravadora fosse esperta o blog seria divulgação. Eu e Miguel continuamos comprando cd. Agora se uma micro gravadora ficar chateada com o disco lá no blog nós tiramos, esse cara sim está sendo prejudicado, mas quase sempre o cara da pequena gravadora gosta, pois é divulgação. Não sei qual é o futuro, sei que vou continuar consumindo e curtindo. Espero que tenham qualidade, só isso.

(M) – Para mim, o futuro dos álbuns não é o vinil, não é o cd e nem as mídias digitais, mas aquele que você preserva para si mesmo. Há pessoas que não largam o vinil por nada, outras preferem o cd, outras o mp3, mp4, flac, etc., com seus pen drivers. O importante é não perder a sintonia mágica provocada pela música, da qual acredito e cultivo nas minhas coleções, seja em vinil, cd ou música digital.

Picaretas – Como é essa pressão que vocês sofrem de algumas bandas ou gravadoras por postar os seus álbuns no blog?

(M) – Quando postamos algumas bandas alternativas de renome, fomos repreendidos. Então resolvemos dar uma linha mais “obscura” às postagens. De lá para cá, só duas ou três bandas pediram para retirar o link. Outras, nos mandam pelo e-mail do Amor Louco o álbum, a capa, e nos dizem: “Fiquem à vontade”. Se gostamos, divulgamos.

(T) – É isso. Algumas bandas pedem e tiramos, outras nem dão chances (quando são maiores) o blogspot já deleta e depois manda um comunicado dizendo que o blog pode “sumir” caso volte a acontecer. Mas no geral as bandas agradecem e mandam material.

Picaretas - Para finalizar, que inovações virão no blog Amor Louco?

(M) – Fizemos, por insistência dos amigos, o twitter do Amor Louco. O Tadeu lançou no blog a sessão Discografia, que achei o máximo. Talvez façamos algumas camisas para o pessoal mais próximo ao blog. O Amor Louco está crescendo cada vez mais (são mais de 30.000 visitas mensais!) e espero continuar esse trabalho prazeroso de divulgação do que gostamos de ouvir.

(T) – Essa coisa de “inovações” é com o Miguel... ele tem carta branca.

4 comentários:

Renato Malizia disse...

Pop Stars!!!

Tadeu disse...

para com isso Renato...rs

Dani disse...

Parabéns meninos pelo sucesso do blog que só possível graças ao bom gosto musical, dedicação e seriedade com que fazem o Amor Louco!
Parabéns também para o meu benzinho que fez essa entrevista muito especial.

=)

Vivi disse...

Esses caras são bons mesmo!!!

Bota dedicação nisso, só mesmo com muito amor a musica é que eles dedicam horas dos seus dias a fazer um trabalho de larga qualidade, quem acompanha não tem duvida disso.