Em tempos de vacas magras no Picaretas, permitam-me requentar...
Meus caros e caras, depois de algumas longas linhas versando sobre Brasil, mundo, dores e amores, hoje volto a falar do meu Estado querido. Afinal de contas, enquanto o beijo durar, o tempo curar e a alma existir, todos os amores serão possíveis... e falíveis.
Mas como ia dizendo, discorrerei hoje sobre o Acre e suas curiosidades antropológicas. Isso mesmo, o Acre é um estado arqueológico. Imaginem vocês que com o avanço do desmatamento na fronteira entre o Estado do Acre, Rondônia e Amazonas a partir da década de 70, começaram a aparecer formas geométricas, como quadrados, hexágonos, círculos e losangos cravados na terra. Já tive até o prazer de fotografar um em um sobrevôo. Segundo alguns antropólogos os primeiros indícios mostram que são estruturas de terra formadas por ancestrais indígenas que habitaram a Amazônia até o século XII depois de Cristo. São chamados de geoglifos. Não se sabe exatamente para que serviam essas estruturas, mas imaginam que poderiam estar ligadas a sistemas agrícolas, cultos religiosos ou até de defesa. Mas com certeza, essas descobertas colocam alguns pontos que andei pensando cá com meus botões (como andam me ouvindo!) que dizem muito da natureza humana e das questões que a História esqueceu.
O primeiro ponto mostra que os nossos arborícolas eram muito mais avançados do que imaginávamos. Até agora, na América do Sul, as sociedades que se destacaram no passado são as sociedades que se desenvolveram nas Cordilheira dos Andes (os Incas, por exemplo). Essas descobertas, mostram que os antigos moradores de onde hoje costumamos chamar de Amazônia, eram muito mais do que simples coletores de frutos e folhas. Os geoglifos encontrados mostram uma inteligência e uma técnica mais apurada do que acreditávamos.
O segundo devaneio que venho matutando é em cima de uma tese do professor Carlos Walter que afirma que a floresta amazônica que conhecemos hoje, com grandes florestas e a maior megabiodiversidade do mundo, é fruto também da presença humana. Estudos mostram que o homem já povoava essas bandas quando essas bandas eram apenas savanas, ou seja, com uma vegetação incipiente e “rala”, justamente na época de construção desses geoglifos. Ou seja, a floresta como conhecemos hoje é fruto também da presença humana.... homens e mulheres estavam presentes enquanto a maior riqueza biológica do planeta se formava. Ou seja mais ainda, a Amazônia é um pomar humano (ai como sou exagerado!). Tanto que o professor Carlos costuma chamar essa mata toda de Floresta Equatorial Ombrófila e Cultural Amazônica. A verdade é que o homem nem sempre foi nocivo a floresta e a Amazônia é muito mais do que “apenas” a maior riqueza biológica do planeta. Ela também é uma floresta de gente.
A outra questão que me passa é mais filosófica (filosofia de botequim, que fique claro) e foi pensada bebendo cerveja.
Abro parênteses: vocês já perceberam que a cerveja nos redime de tudo? Irei expor uma bobagem a seguir, mas como já disse que estava bebendo, eu to perdoado. Né não? Se eu falar algo brilhante, sou um gênio. Se for uma asneira completa, vai ter sempre um que lembrará “mas ele tava bêbado né, vamos dar um desconto”. Aproveito o ensejo, pra revelar que só escrevo bebendo, ou seja, me dêem SEMPRE um desconto. Fecha parênteses.
A história da humanidade com o planeta é uma eterna construção e desconstrução. Cada geração de novos homens e novas mulheres deixam suas marcas. Constantemente grafamos e re-grafamos a terra apagando e deixando cicatrizes para o futuro. E essa será nossa eterna busca em entender o passado e sua importância, em estudos que podem durar mais de uma geração de pesquisadores. Mas o que me intriga mais são as histórias e estórias que a História não conta. Nem tudo que se “veve” na vida é grafado na terra e deixa rastros pro futuro. São histórias pessoais de homens e mulheres que morrem juntos com suas vidas e seus corações. Afinal, meu caros e caras, quem cuidarão dos cardioglifos? Quem se debruçara sobre as histórias dos sentimentos. Onde estarão as histórias dos amores mal curados, dos prazeres sentidos, da gargalhada gostosa, da inveja humana, dos carinhos consentidos e do afeto primordial. Onde estão registrados os amores e desilusões de Joana D’arc? A quem interessaria as histórias das pessoas? Pra Jorge Amado o que era mais importante: ter escrito Capitães de Areia ou o seu amor por Zélia Gattai? A história nos rodeia de conquistas épicas, sucessos estrondosos, fracassos retumbantes, mas não nos mostra o que passava no coração do Napoleão. Longe de mim essa soberba, mas quem se importará pelas histórias que escrevo? Por que o que fica para o depois é o diploma, os artigos científicos, o mestrado, o doutorado, o seu trabalho do dia-dia registrado e grafado nos anais burocráticos da nossa sociedade de feitos? Quem será o desocupado que irá pegar o que escrevo no futuro e contar as histórias que me faziam rir, chorar, lembrar, amar e doer? A quem interessa o que vivemos ou deixamos de viver? Quem se importa com as suas amarguras, suas piadas, sua história de vida pessoal? Afinal de contas, venha cá Poetinha, quem pagarão o enterro e as flores se eu me morrer de amores?
(publicado originalmente em 07 de fevereiro de 2008 no Diário de um Acreano - www.diariodeumacreano.zip.net)
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