Já há algum tempo tive a oportunidade de ver o vídeo de uma palestra do líder seringueiro Chico Mendes na PUC do Rio de Janeiro em 1987, moderada por Carlos Walter Porto Gonçalves, um professor querido que tive o prazer de ter na minha graduação. No inicio da gravação Carlos Walter relatava sua dificuldade e a do Chico de chegar ao Rio de Janeiro naquele ano, em razão da fumaça ocasionada pelas queimadas na Amazônia, que provocavam o fechamento dos aeroportos.
Em setembro de 2003, quando acabava de chegar ao Acre e até aquele momento ainda não vira a floresta, escrevi numa crônica onde num trecho dizia: "E foi respondida a grande questão do acreano que vos fala: encontramos a Amazônia! No momento ela está voando em cima da minha cabeça! Olha lá, aquela fumacinha deve ser um cumaru ou um jatobá! Já tem gente querendo manejar fumaça, pensando que é manejo florestal.... é rir pra não chorar! Pelo amor de Deus, alguém joga água nesta fogueira! Vocês precisam ver, de noite a lua fica laranja com aquela névoa de fumaça horrorosa. Maior clima de boate e os pilantras incendiários cantando: "Tô nem aí! Tô nem aí!" Aí, vem o meu amigo bêbado, vendo a lua laranja, aquela névoa toda e me diz: "Aí Felipe, olha que loucura, estão fumando a Amazônia!" De maior floresta, virou o maior maço do mundo.... caminhando e queimando nóis vai defendendo a floresta.”
Aí eu pergunto: o que mudou de 87 e 2003 para hoje? Nada, rigorosamente nada, eu te respondo. Há pelo menos 23 anos defumamos o mundo, queimando a Amazônia, e nada é feito para mudar essa realidade. Ah! E se anteriormente falei que nada mudou, minto: piorou. Esse ano foi igualado a estiagem recorde do ano de 2005, onde a chuva, somados os meses de junho, julho e agosto, chegou a apenas 31,5mm. Pra se ter uma idéia, no mesmo período em 2009 choveu 100,7mm.
Então você imagina um clima extremamente seco, com uma fumaça de marejar os olhos, provocando diversos problemas respiratórios? É assim que grande parte do Acre e Rondônia se encontra no momento. Os aeroportos de Porto Velho e Rio Branco invariavelmente vêm fechando por algum período, todos os dias, em virtude das fumaças. Respirar na Amazônia hoje, se não fosse tão vital, não seria nada recomendável.
Enquanto tudo vira cinza, a briga que “vale” mesmo é saber de quem é a fumaça: “Não, do Acre não é... Deve ser de Rondônia” “Isso é coisa do Mato Grosso” “Que nada, é da Bolívia”. Cada um empurra a fumaça pra debaixo do Estado do outro e nada se resolve.
Olhando isso é que ainda reafirmo a questão: o que queremos mesmo da Amazônia? Não vale brincar com as palavras dizendo que é preciso preservar o “pulmão do mundo”, blá, blá blá. Algo original vai... ou você já encontrou alguém que seja contra a floresta e o meio ambiente?
Pois é, enquanto tratarmos o meio ambiente e a Amazônia apenas com palavras de ordem, sem ações que de fato contenham o avanço da destruição da floresta e dos demais ecossistemas (porque não cortam o financiamento com dinheiro de banco público de quem destrói, por exemplo?), estaremos fadados a passar de pulmão para o incenso do mundo. Quem sabe não “energiza” o ambiente, né?
*publicado originalmente, em agosto de 2010, na revista eletrônica Verbo 21 na Coluna Verde Que Te Quero Verde (www.verbo21.com.br)
Um comentário:
Isto é uma lastima, será que o Brasil tá ficando pequeno para os pastos ou campos de soja que já possui? Ainda bem que não esta ventando ou se esta é para o sul, porque aqui no Norte (Venezuela) não tem esta fumaça não.
Um abraço meu filho, mais uma bem escrita e muito bem colocado.
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